Volte e Pegue: resgatar também é inovar

A busca por referências de uma história popular brasileira — frequentemente invisibilizada — tem um caráter quase arqueológico. É um processo de escavação sistemática, necessário para trazer à tona narrativas marginalizadas, ao mesmo tempo em que permite a experimentação de metodologias, dado que esse campo ainda está em construção.

Nesse movimento de resgate e disputa pela narrativa nacional, muitos pesquisadores se voltaram para epistemologias oriundas de povos que compõem a identidade brasileira, mas cujas contribuições fundamentais têm sido historicamente ignoradas.

Ao realizar essa arqueologia, encontramos referências ocultas, como o símbolo adinkra Sankofa, que fundamenta o movimento afrofuturista brasileiro.

Os símbolos Adinkra fazem parte da cultura Ashanti e são representados por formas geométricas estilizadas. Eles transmitem os valores do povo Akan, de Gana e da Costa do Marfim, refletindo aspectos da vida vegetal, do corpo humano, elementos geométricos e abstratos e até mesmo referências astronômicas.

Sankofa é um dos símbolos Adinkra mais conhecidos no mundo. Sua tradução para o português significa "volte e pegue" — um recado às gerações futuras deixado pelos ferreiros escravizados no período colonial: mesmo que tentem mudar a narrativa, não se esqueça.

imagem de adinkras e portões coloniais brasileiros

Quanto mais reflito sobre Sankofa, mais percebo que ele vai além de uma inspiração para as futuras gerações afrodescendentes. Sankofa é uma metodologia legada pelos africanos para todos os brasileiros. Uma ferramenta de construção de mundo que pode ser aplicada a diversos processos. O tempo pode ser visto como:

- Passado / Presente / Futuro

- Causa / Desafio / Consequência

- Residual / Dominante / Emergente

- Justificativa / Objetivo / Metas

E muitas outras formas de interpretação.

Quando ampliamos essa correlação para uma dimensão filosófica, percebemos um potencial inovador e transformador: não há construção de futuro sem o entendimento do passado que nos trouxe até aqui. Esse passado, por sua vez, pertence à coletividade. Ou seja, existe um senso de protagonismo histórico em Sankofa que nos permite enxergar nossas vidas como processos interligados, e não como eventos isolados.

Sankofa nos convida a nos enxergar como seres integrais, e não apenas como funções dentro de uma sociedade cartesiana. Aplicado como metodologia de pesquisa, curadoria, desenvolvimento humano ou estratégia de negócios, ele nos permite dialogar com pautas emergentes como:

- Processo x Produto

- Diálogo x Mensagem

- Pessoas x Consumidores

Nesse sentido, Sankofa não é apenas um tema, mas um método.

O dia em que valorizarmos as tecnologias do Brasil Profundo da mesma forma que reverenciamos as teorias de gestão do Vale do Silício, encontraremos a verdadeira inovação brasileira.

Para mim, Sankofa significou voltar e resgatar minha Amazônia. Voltar e resgatar a mim mesma — enquanto gestora, pesquisadora e cidadã. Tornou-se uma ferramenta de construção de mundo, pesquisa, curadoria, desenvolvimento humano e estratégia.

Valorizar os saberes e fazeres tradicionais, orais e ancestrais como realidades vivas no presente é garantir a sobrevivência da nossa capacidade de inovação social. O desenvolvimento econômico sustentável e socialmente inclusivo passa pela incorporação dessas múltiplas narrativas no tecido produtivo e cultural do país.

A inovação não nasce no vácuo; ela é fruto de um diálogo contínuo entre passado, presente e futuro. Reconhecer e integrar os saberes ancestrais ao desenvolvimento tecnológico e econômico não apenas fortalece nossa identidade, mas impulsiona um crescimento mais justo, equilibrado e sustentável.

Portanto, ao olharmos para o futuro do Brasil, devemos lembrar que a inovação mais genuína nasce da diversidade de saberes e fazeres que nos cercam. E essa riqueza já está aqui, esperando para ser reconhecida, valorizada e impulsionada para transformar nosso presente e construir um amanhã verdadeiramente inovador.

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O futuro é ancestral